No dia 20 de fevereiro é celebrado o Dia Mundial da Justiça Social, data criada pela Assembleia Geral das Nações Unidas para promover a igualdade e o acesso a oportunidades e recursos para todas as pessoas. É uma data que nos convoca a combater a discriminação, a pobreza e a desigualdade e agir de forma a buscar oportunidades de acesso à educação, saúde, moradia e emprego digno.
Esta não é uma tarefa exclusiva para o campo das políticas públicas, também não recai apenas sobre o importante papel exercido pelo investimento social privado e ações filantrópicas, tampouco em nossas interações enquanto pessoas que vivem em comunidade. Como garantir que relações comerciais contribuam para a busca da justiça social é uma questão relevante e que por vezes não é enfrentada.
Pensadores clássicos sobre o conceito de justiça argumentam a importância da busca pela equidade para viver uma “boa vida” baseada em valores de liberdade e igualdade (John Rawls); afirmam que apenas o atendimento real das necessidades dos indivíduos é o que gera justiça (Amartya Sen); que uma sociedade ideal existiria se houvesse condições materiais adequadas (Enrique Dussel) e também alertam que não é possível conceber uma visão de justiça atemporal e ahistórica (Michael Sandel), sendo necessário uma postura crítica para tratar do tema.
No Brasil, a Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) prevê que os contratos se presumem simétricos entre as partes que contratam. É como se as partes que celebram um contrato tivessem o mesmo poder de barganha. Essa presunção só é afastada por força legal – como é o caso das relações de trabalho e de direito do consumidor em que a parte hipossuficiente é identificada pela norma – ou se as partes que contratam declararem a assimetria. Uma vez declarada a desigualdade negocial entre as partes, pode-se pensar formas de reduzi-la.
Esta é uma das questões que buscamos responder no projeto “Contratos Justos”, lançado oficialmente em Manaus em outubro de 2024. A iniciativa do escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueiredo Lopes Advogados (SBSA Advogados) tem como objetivo transformar as relações comerciais entre empresas e comunidades locais, oferecendo um olhar jurídico para garantir que as negociações sejam compreensíveis, reduzam as assimetrias e gerem benefícios reais tanto para as pessoas impactadas pelo contrato quanto para o meio ambiente.
Com base em 10 estudos de caso, mais de 50 entrevistas e uma extensa revisão jurídica, o projeto estabeleceu três pilares fundamentais que norteiam sua metodologia: “Só é justo se der para entender”, “Só é justo se diminuir assimetrias” e “Só é justo se melhorar a vida das pessoas e do meio ambiente”. Esses princípios foram formulados para garantir que as partes estejam em situação na qual a negociação comercial possa se dar em bases justas.
Trata-se de uma metodologia que busca dar concretude e atualidade para o conceito de justiça social aplicada a negócios a partir de um ponto de vista comercial (não estamos tratando de relações filantrópicas). Se apresenta como uma ferramenta para apoiar na diferenciação de um novo segmento econômico da iniciativa privada e da sociedade civil preocupadas em gerar impacto positivo socioambiental (como é o caso dos negócios de impacto e das empresas B) e cria estratégias para equilíbrio contratual diante de assimetrias nas relações comerciais. O projeto foi desenvolvido com o foco nas relações privadas entre comunidades locais da Amazônia e empresas e pode ter as suas bases aproveitadas para outros contextos.
Em tempos de alarmantes crises sociais e climáticas, é importante que a força comercial das negociações comerciais cotidianas possam movimentar o mercado de modo a contribuir para busca da justiça social para uma transição justa para um futuro sustentável.
*Aline Souza é liderança Agente MUDA e Sócia SBSA Advogados. Advogada e pesquisadora na área de negócios de impacto e terceiro setor. Doutora em Administração Pública e Governo pela EAESP- FGV. Especialista em Direito Societário pelo Insper. Integrante do Comitê da Estratégia Nacional de Economia de Impacto pela Global Alliance of Impact Lawyers. Já foi consultora da UNESCO, PNUD e SENAC. Ex-Assessora da Secretaria Geral da Presidência da República para agenda do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Autora do livro “Empresas Sociais: uma abordagem societária” e coordenadora do projeto “Contratos Justos na Amazônia”.”
De Aline Souza (Agente MUDA)