Blended Finance em 2025: maturidade estrutural, inflexões geopolíticas e o que (ainda) falta para escalar

A edição 2025 do relatório State of Blended Finance, publicada pela Convergence, marca os 10 anos da série trazendo não só dados atualizados sobre o mercado, mas uma reflexão crítica sobre o caminho percorrido — e os limites persistentes — do blended finance como estratégia para fechar as lacunas de financiamento dos ODS.

Apesar de um ambiente macro marcado por retração da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (ODA), pressão fiscal em países doadores e instabilidade geopolítica, o blended finance demonstrou resiliência em 2024, com US$ 18,3 bilhões mobilizados em 123 operações, mantendo a tendência de crescimento estrutural da década. O tíquete médio aumentou significativamente (de US$ 38 milhões para US$ 65 milhões), puxado por transações multibilionárias em fundos e projetos de infraestrutura — um indicativo de maior ambição e complexidade na estruturação dos veículos.

Dados e dinâmicas relevantes de 2024:

  • Escala e concentração: Três operações ultrapassaram US$ 1 bilhão, e 27% do volume total foi mobilizado por apenas 2,5% dos deals (“whale deals”), consolidando uma tendência de concentração de recursos em estruturas robustas com grande capacidade de alavancagem.
  • Clima no centro da agenda: 49% das operações foram voltadas à agenda climática, representando 62% do volume total. As áreas mais representadas foram energia renovável, infraestrutura de transporte e agricultura.
  • Veículos em transição: Blended arrangements com instituições financeiras superaram projetos e fundos em número de transações (33% do total), impulsionados por garantias programáticas, instrumentos de risco compartilhado e linhas de crédito direcionadas a PMEs e finanças agrícolas.
  • Garantias em ascensão: A utilização de garantias cresceu 42% em relação a 2023 e esteve presente em 34% das transações. O uso predominante foi em portfólios de crédito (loan portfolio guarantees), principalmente viabilizados por fundos de desenvolvimento como o EFSD+.
  • Avanço institucional: O setor privado superou DFIs e MDBs em volume de capital comercial mobilizado, com US$ 6,9 bilhões em 2024. O destaque vai para a crescente participação de investidores institucionais, que responderam por 20% dos compromissos em fundos blended nos últimos três anos.

Blended finance como resposta geopolítica

A edição 2025 também evidencia a instrumentalização crescente do blended finance como ferramenta de resposta a choques sistêmicos. A Ucrânia tornou-se o maior país receptor de blended finance no ano, com US$ 2,2 bilhões em 16 operações — a maioria envolvendo garantias de risco de guerra, linhas de crédito e instrumentos para garantir liquidez e continuidade de serviços essenciais. A região da Ásia-Pacífico também ganhou destaque, com emissão de green bonds garantidos localmente, como o caso do Vietnã no setor de aquicultura.

A análise de gargalos estruturais permanece atual

Cinco anos após identificar os quatro grandes entraves à escalabilidade do blended finance, o relatório mostra que pouco mudou:

  1. Ausência de estratégia coordenada de mobilização privada: a maioria dos doadores ainda não desenvolveu planos específicos ou orçamentos voltados à atração sistemática de capital privado. O blended permanece amplamente dependente de DFIs e MDBs como fontes de capital comercial.
  2. Baixa participação de investidores locais: apenas 17% dos recursos vieram de players domésticos em EMDEs. O relatório recomenda mecanismos como green bonds em moeda local, capacitação de bancos regionais e políticas públicas de suporte a blended structures locais.
  3. Déficit de transparência e padronização: ainda há escassez de dados públicos sobre termos financeiros, resultados e performance de risco. Isso limita a replicação e a confiança de novos entrantes. O relatório propõe incorporar transparência como condicionalidade para aportes concessional.
  4. Ecossistema subdesenvolvido: mesmo com crescimento no volume e sofisticação, a maioria das transações continua a ser estruturada como “one-off”, sem padronização que permita escala. A falta de “pipeline” replicável ainda é uma barreira real para mobilizar pools institucionais mais amplos.

O que 2025 exige do campo

A leitura estratégica do relatório aponta que, com a redução de ODA tradicional, o blended finance deixa de ser complementar e passa a ser central para políticas públicas e estratégias filantrópicas de impacto. A questão agora não é mais “se” o blended será necessário, mas como desenvolver arranjos de governança, gestão de risco e monitoramento que estejam à altura do desafio.

O chamado à ação é claro: escalar o blended finance depende de ir além das boas práticas e assumir um compromisso político e institucional com mobilização privada inteligente, arquiteturas replicáveis e construção de infraestrutura de mercado para os países que mais precisam.

De Douglas Souza

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