A saúde de uma população é frequentemente medida pela qualidade de seus hospitais e pelo acesso a medicamentos. No entanto, uma visão mais profunda revela que a verdadeira base para uma vida saudável é construída muito antes de qualquer necessidade de intervenção médica. De acordo com os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) são os fatores sociais, econômicos e ambientais em que vivemos que moldam nosso bem-estar. Eles são as condições em que as pessoas nascem, crescem, trabalham e envelhecem, e incluem desde a escolaridade e a renda até, de forma crucial, a qualidade da moradia.
Moradia Digna como Pilar da Saúde
Dentre os determinantes sociais, a moradia digna se destaca como um dos pilares mais fundamentais. A ausência de uma casa segura, adequada e bem localizada desencadeia um efeito cascata que compromete a saúde em múltiplas frentes. O modelo de Dahlgren e Whitehead, que organiza os DSS em camadas de influência, posiciona a habitação como um elemento central nas “Condições de Vida e Trabalho”, impactando diretamente o indivíduo.
A realidade brasileira ilustra bem esse ponto. O modelo de desenvolvimento urbano focado em quantidade em detrimento da qualidade resultou em periferias isoladas, com infraestrutura precária e acesso limitado a empregos e serviços. Essa dinâmica força longos e estressantes tempos de deslocamento, reforça a segregação e cria barreiras que dificultam a ascensão social e o acesso a direitos básicos. Nesse contexto, a moradia digna e bem localizada deixa de ser uma conveniência para se tornar uma poderosa política de saúde pública, pois atua diretamente nas causas-raiz das iniquidades em saúde.
Habitação de Interesse Social (HIS) e o Case SOMA: Uma Solução Urbana
É para enfrentar esse desafio que a Habitação de Interesse Social (HIS) se apresenta como uma solução estratégica. A HIS é a porta de entrada para o Direito à Cidade, combatendo a gentrificação e promovendo a inclusão social ao prover moradia acessível em centros urbanos.
Um exemplo prático e inovador dessa abordagem é o Projeto SOMA, em São Paulo. Nascido para ser uma alternativa à lógica de “morar mal no centro ou morar bem na periferia” , o SOMA oferece locação residencial acessível em uma área central, com foco em qualidade arquitetônica e, fundamentalmente, em gestão social. O projeto opera com a dualidade entre o “Hardware” (a estrutura física do prédio, bem localizado e com infraestrutura) e o “Software” (a tecnologia social, a gestão condominial e o acompanhamento dos moradores)
A atuação do SOMA impacta diretamente diversos Determinantes Sociais da Saúde de seus moradores. Ao oferecer uma moradia de qualidade em uma área central, ele melhora as condições de vida e trabalho. Ao reduzir o custo da moradia e o tempo de deslocamento, o SOMA devolve tempo e recursos para as famílias, atuando na inclusão e no bem-estar social.
Viabilizando a Solução: O Papel do Financiamento Inovador
Um dos maiores entraves para a escalabilidade de projetos de HIS no Brasil é o desafio de funding. Soluções como o SOMA, que fogem do modelo tradicional, exigem estruturas financeiras igualmente inovadoras. O projeto foi viabilizado através do Blended Finance, um modelo que estrutura o investimento em camadas para atrair diferentes perfis de capital.
De forma sucinta, o SOMA combinou o capital comercial de cinco grandes empresas investidoras, que aceitaram um retorno financeiro abaixo do mercado em troca do impacto social gerado, com o capital catalítico e a expertise de seus fundadores, responsáveis pela estruturação e assistência técnica. Essa abordagem mostra que é possível criar modelos de negócio sustentáveis que alinham retorno financeiro à missão de resolver problemas sociais complexos.
Em suma, o case SOMA demonstra que investir em moradia digna é uma das formas mais eficazes de promover a saúde. É um investimento que vai além do tijolo e do cimento, atuando diretamente no bem-estar, na inclusão e no potencial humano, enquanto revitaliza o tecido urbano de nossas cidades.
De Kauê Chihimi1
Referências
BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. A Saúde e seus Determinantes Sociais. In PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(1): 77-93, 2007.
CNDSS. As causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil. In: Relatório final da comissão nacional sobre determinantes sociais da saúde (CNDSS). 2008.
- Kauê Chihimi é formado em economia pela FEA USP e integra atualmente o time da Din4mo, onde atua como analista e PMO em projetos estratégicos de consultoria. Com experiência no desenho de arquiteturas financeiras híbridas (blended finance) e no gerenciamento de projetos, tem contribuído para iniciativas internas e externas da organização, além de participar de estudos e publicações sobre o tema. ↩︎